domingo, 19 de outubro de 2008

Nena diz que o peixe hoje está escasso nos rios

Em linha reta, mesmo sem descontar as curvas, sinuosas ou não que o Araguaia faz ao longo de seu trajeto até que suas águas comecem a espraiar, deve dar uns trinta quilômetros.
Por terra, seguindo pela MT 100 até alcançar a estrada vicinal que leva à propriedade de sessenta hectares, com casa construída a uns poucos metros da barranca, são cerca de cinqüenta e cinco quilômetros.

O proprietário Ilton Leite Velasco, tratado carinhosamente por Nena é quem cuida dali. Um verdadeiro paraíso às margens do Araguaia. A maioria das vezes ele fica sozinho. A esposa D. Maria do Carmo, já de certa idade, não se acostuma mais a viver longe do centro urbano. Saúde frágil acesso rápido aos recursos médicos. Por isso a maior parte do tempo é ele quem toma conta de tudo, mesmo da cozinha.

Nena reclama que o peixe está escasso. “Os tempos mudaram muito”, diz. “Antes tinha peixe demais! Ali mesmo na Prainha – espicha o beiço mostrando em direção ao rio – já peguei cachara”, gaba-se.

Nutre um grande ciúme de seu material de pesca e do “girau” (uma espécie de píer que possibilita ao pescador ficar quase no meio do rio), o segundo que fez nos últimos tempos. Lá só vai quem for de casa mesmo e os amigos mais chegados.

Em animadas conversas depois do banho e antes da janta, conta que ganhou a vida fazendo ponte. É apaixonado por moda de viola. Sua música preferida é Preto Velho, de Tião Carreiro e Pardinho. Nena arrisca algumas notas e conta que já cantou Pé de Cedro (moda sertaneja de Zacarias Mourão), com José Rico, da dupla com Milionário. Ele diz que toca viola e faz dupla com um amigo e de vez em quando vai para a cidade para tocar a convite.

Todas as tardes ele desce silenciosamente por um caminho coberto de folhas secas, sob as árvores centenárias que se compromissou com o IBAMA de não cortar e a passos leves que quase não se ouve, pisa com muito cuidado cada degrau da escada que termina no girau. Ali, cada passo é calculado para não fazer barulho. “As matrinchans são muito ariscas”, confessa ele.
Por horas e horas ele fica assentado num banco de tábua feito sobre o girau. “Os mosquitos são ‘porvinhas’, mas os que atacam no fim da tarde são borrachudos”, avisa. As picadas queimam feito fogo. “Só calça para agüentar”, lembra. Solta mais de vinte metros de linha, até que ela alcance a curva do rio. “É onde elas ficam. As águas são mais fundas e tem o rebojo, onde a comida pára”, explica Nena.

O fim de semana todo foi ocupado com o fabrico da rapadura de cana de açúcar, que ele vende na cidade, entregando nos mercados a três reais. Essas rapaduras são vendidas ao consumidor final a cinco reais.

A garapa é levada à fervura até virar um melado. Colocado em uma gamela é batido até dar ponto e levado às formas. Ele ensina que para o açúcar mascavo é necessário tirar do fogo uns dois estágios antes do ponto para rapadura.

O fim de semana termina. Ele torna a ficar sozinho, mas avisa: os peixes vão subir mesmo em setembro.

Nenhum comentário: