domingo, 19 de outubro de 2008

Garimpo é tema de livro de Guia lançado em 2007


Viver ele não vive de literatura, mas ela é uma de suas grandes páixões. A casa e tudo a sua volta tem toda a atmosfera, faz respirar quem a ela chegue, um aroma de poesia, de conto sabiniano. Pela construção verbal de tudo que fala ele lembra um cronista de banco de praça, com capricho, com ênfase no relato que vai desenvolvendo; cosntruindo como o prelúdio para um grande clássico. Com gosto claro pelo narrar.

Chapéu de feltro e camisa de um xadrez bem miudinho (verde e creme), passaram à parte dele como o próprio bigode que, embora os noventa já lhe beirem ainda não se tingiram por completo.

O andar representa alguém nascido bem nascido bem depois de 1924 e apenas a memória levemente atrofiada ou fingida para ser educada, pede à companheira participação na conversa para se localizar no tempo, num ou noutro estágio do assunto. Até para se lembrar do dia do casamento há 51 anos atrás, o lapidário Edson Marques da Guia recorre educadamente à esposa Hilda da Guia, que por cima dos óculos observa o movimento da rua, e da casa, enquanto borda mais um pano de prato (dos tantos que aparecem pendurados em todo canto pela cozinha ampla), sentada a distância em um outro sofá, na confortável sala de paredes antigas, escondidas atrás dos quadros de todos os tipos e tamanhos, representando artes visuais e textuais (são poesias e gravuras) povoada de poltronas xadrezes e estantes. Umas repletas de livros, outras carregadas de portá-retratos. A foto do filho, Ricardo Marques da Guia, morto em Natal, no Rio Grande do Norte e da neta, procuradora Federal, tem lugar de destaque entre as demais. Outras das cunhadas, dos concunhados, dos netos, dos sobrinhos da filha e muitas de todos.

Para dizer que feijoada era seu prato preferido nos tempos dele mais moço, não faz esforço nenhum. Logo o seleciona entre as opções. Elege ainda hoje o feijão como o rei da mesa, mas admite que com o passar dos anos houve certa dilação em suas preferências. Filho do garimpeiro Elpídio Marques com Eugênia da Guia, demonstra orgulho por ter nascido num lugarejo chamado Café (hoje já inexistente), no município de Alto Garças. Um Vau no córrego do Café (nome dado ao córrego por ser a parada onde os viajantes faziam café para merendar) deu nome ao lugar povoado por garimpeiros, aonde seu pai chegou em 1918, e de onde tirou razões para o seu ofício, aperfeiçoado por treinamentos que fez em Uberlândia, Minas Gerais.

Hoje as ferramentas e o lapidário estão há tantos anos desmontados que contabilizá-los vai tornando-se impossível para sua memória e ele apenas concorda que o tempo é largo entre seu último dia na atividade e os dias atuais.

O quintal de mais de três mil metros quadradados é uma verdadeira floresta amazônica. Pássaros, aves, micos e macacos fazem algazarra durante todo o dia, disputando a atenção do velho morador atento ao som de cada um de forma particular.

"Todas as religiões são falhas. Cada uma tem seus erros e o fanatismo me preocupa", fala enquanto ajeita o bebedouro de um grupo de micos que se aproxima ressabiado. Católico convicto, mas não comprometido ele diz: "Se vou à missa muito bem, mas se não, não tenho paixão por aquilo".

Filho único do casamento de Eugênia, irmão de outros dezenove do primeiro casamento do pai com Adélia Coutinho, há anos que não tem notícias de mais ninguém.

Nenhuma hora ou um dia de sua vida o apanhou completamente dedicado ao ofício de escritor. Escreve aleatoriamente em dias e horas indeterminados, mas sempre no quarto à esquerda no corredor de chegada, onde fica o computador, acompanhado de esculturas que ele mesmo fez e ferramentas para a atividade que dividem a cena com uma imagem da Última Ceia, um violão sobre a cama, debruço para não desafinar, embaixo de uma janela que aparentemente quase nunca é aberta tornando-se cúmplice da penumbra alimentada por sua inoperância.

Algumas das muitas crônicas já publicadas no Jornal Notícia Agora, acompanhadas de O bailar dos vagalumes, texto novo, foram parar no livro Recantos de Minha Terra que ele lançou no ano passado.

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